Full Circle - Loreena McKennitt
Caminhou com passos inseguros, a princípio, porque não conhecia o caminho e não sabia muito bem onde deveria, poderia ou queria chegar. A paisagem onírica à volta inebriava, com seu cheiro verde de barro molhado. Caminho estreito, por entre as folhas e árvores compridas, da idade do universo e da criação, ásperas de sabedoria. Formavam um arco quase fechado, fazendo com que os raios de sol penetrassem suaves e fragmentados. O vestido branco tocava de leve o chão, como se voasse, e esvoaçava às costas, como se deixasse um rastro de sombra clara. Os cabelos, de um castanho escuro, quase preto, voavam ao doce sabor da brisa, ondulados e cheios, contrastando com a pele alva, cor-de-neve. Os olhos escuros atentos e sonolentos. Atentos, como num sonho misteriosamente atrativo... sonolentos como que embriagados. Seguia em frente. Os pés descalços, tocando a terra. Ouvia ao longe uma corrente d’água e podia sentir, sem ver, a sua pureza.
Caminhou, deleitando-se. Todos os sentidos em alerta. Sentia a brisa acariciar-lhe a face e os cabelos. Sentia o cheiro verde-amadeirado. Ouvia todos os sons vívidos, suaves, ásperos, sutis e agudos, repletos de vida e história. Via como se mergulhasse... via, como se voasse... via, como se tivesse acabado de nascer. Via, como se pudesse absorver tudo a sua volta. Via, como se quisesse sentir, cheirar e ouvir com os olhos. Via, como se olhasse. Apenas não falava, porque palavras não eram capazes de traduzir o que gostaria, nem tampouco eram necessárias. Comunicava-se, expressava-se, perfeitamente, com tudo ao redor, sem palavras.
Seguia. Mais alguns passos, agora, já firmes. Sabia, mesmo sem conhecer e poder precisar bem ao certo, o que lhe aguardava.
As folhas de alguns arbustos mais altos tentavam bloquear o caminho, mas seguia. Um pedaço do vestido branco ficou, como de lembrança do caminho por onde passara. A correnteza que se seguia adiante, longe das vistas, já estava mais audível. Podia ouvir e distinguir outros e novos sons, conhecidos e desconhecidos. Dentre eles... um som humano.
Virou à direita, seguiu. Passou por algumas pedras. Subiu, desceu. Machucou os pés. Mas andar era sempre um alívio. Sempre. Caminhar, lavar a alma, elevar-se. Mergulhar.
Desceu por entre as pedras. Uma pequena e belíssima gruta, no coração da floresta. Água límpida, azul-cristal, resplandecia e parecia iluminar tudo à volta. Na extremidade oposta uma nascente. A pequena correnteza, pensou. Desceu um pouco mais e aproximou-se do pequeno lago que se formava, sereno. Viu a sua silhueta refletida na água cristalina, quase firme.
Sentou-se.
Aproximou o rosto da água e tentou tocar o seu reflexo. A silhueta se desfez ao toque. A água parecia ainda mais fluida, como que feita da mesma matéria-prima do sonho. Evaporou-se e, ao seguir o seu vapor com os olhos surpresos, viu ao longe o que produzia o som humano.
Ele tocava a sua gaita calmamente, sentado do outro lado da margem, entre as sombras da gruta e o brilho-azul do lago. Absorto em sua música. Cabelos longos, escuros, presos. Olhos baixos.
No momento em que a brisa-esfumaçada do lago virgem subiu ao toque dela, seus olhos se cruzaram. Surpresa nos dela, serenidade nos dele. Ele a estava aguardando. Ela chegara, mas era preciso mergulhar e voltar para que conversassem.
A superfície líquida da água tornou-se gelatinosa, de repente. Prendeu-a. Puxou-a.
Um pequeno grito.
Uma troca de olhares rápida.
Um clamor nos olhos dela.
Um olhar confiante vindo dele.
Um mergulho para dentro de si. Ao encontro de si. Ela sabia. Era isso que a esperava. Só não sabia como. Para dentro do reflexo, sim, por que não?
***
Ela partira por um momento. Ele a esperaria. Só poderia conhecê-lo se conhecesse a si mesma. Conhece-te a ti mesmo. Ele aguardaria. Voltara à gaita. Uma música suave e repleta de história. Um mantra.
***
Toda a imagem se desfez como se acordássemos... até que ela esteja de volta... por detrás do véu... da longa jornada.
Carolina Grant
(15/01/2011)
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