sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Fragmentos de Natal...


Fragmentos de Natal
ou...
Pedacinhos de coisas brilhantes interiores que a gente só vê nessa época do ano espalhadas por aí

Foi então que a garotinha de olhos graúdos e inquietantemente perspicazes tomou coragem e foi falar com ele. Ela já o vinha observando há algum tempo, do seu canto favorito da sala, perto da árvore toda decorada e do gato gorducho de pelo fofinho da Tia Clara, perguntando-se se deveria ou não abordá-lo do seu jeito costumeiro de fazer perguntas certeiras. Já estava ficando cansada, também, de fazer as vontades do velho Rabicho, eternamente ronronante por carícias, sobretudo de uma mãozinha pequena, macia e delicada com a dela, e precisava entreter-se com outra coisa, além, é claro, de acompanhar tudo e todos à sua volta nos mínimos detalhes (!) E, é preciso registrar, ela sabia (não havia a menor dúvida nesse sentido) que ele teria uma resposta legal. Ele era o único que parecia realmente estar participando daquilo tudo da mesma forma que ela. Ou seja, completamente deslocados no meio de tantas pernas, luzes, vozes e pessoas grandes, mas absolutamente absorvidos com o que observavam e com o clima daquele momento-lugar. Foi o sorriso aberto, sincero e seguro dele, mais para si mesmo que para qualquer pessoa, de quem tudo sabe e percebe, que lhe deu confiança para ir até lá. Falariam a mesma língua.
Ela atravessou o Salão (não era assim uma sala tão grande, mas, quando você tem cinco anos e um metro de altura, bom, você também foi criança e sabe que o mundo torna-se muito maior do que realmente é). Esquivou-se aqui e ali dos garçons, que mal a enxergavam passar por entre as suas pernas, passou por cima de uma ou outra cadeira para cortar caminho (não sem alguma dificuldade, mas isso tudo tornava a coisa ainda mais divertida, roubando um sorriso maroto daquela carinha redonda e divertida).
Ele estava onde parecia estar sempre, na porta da varanda, na linha tênue entre o estar fora e o estar dentro, no lugar e no ângulo perfeito para um bom e experiente observador, encostado na pilastra, displicentemente, como se tivesse estado ali desde sempre, só sendo percebido, quase sem querer, quando alguém chegava muito perto. Confundia-se com o ambiente, mas, ao mesmo tempo, parecia garantir-lhe um equilíbrio invisível.
Ela chegou de mancinho, acomodou-se em uma mesinha baixa ao lado dele e lançou a sua pergunta a queima-roupa, sem o menor pudor: – O que você gosta no Natal?
Ele deu uma baforada e apagou o cigarro para falar com a garotinha, com a tranquilidade e o semblante sério, ainda que sereno, de quem pondera seriamente sobre uma pergunta muito, muito importante. Colocou as mãos no bolso da calça jeans, olhou para algum ponto abstrato à sua frente, depois para baixo e novamente para aquele mesmo ponto e respondeu com o conforto e a intimidade de quem já conhecia aquela garotinha há bastante tempo e sem nenhum traço de que fora surpreendido pela pergunta inesperada, vinda de uma interrogadora ainda mais inesperada...
Gosto dos sorrisos furtivos... que a gente pesca por aí justamente nessa época... desses que saem quase sem querer, porque a pessoa não consegue nem segurar – disse, por fim, desmanchando toda aquela seriedade reflexiva no seu bom e velho sorriso largo e sincero, daqueles que dão um abraço capaz de acolher o mundo inteiro, agora olhando diretamente para a criaturinha ao seu lado.
Por que você gosta tanto deles? – devolveu a garotinha, com um brilho nos olhos de quem confirmava a certeza que a conduzira até ali e estava decidida a seguir na conversa.
Bom... porque são como pontinhos de luz, sabe? Que se espalham por aí e vão meio que contagiando todas as pessoas – ele fez uma pequena pausa enquanto a garotinha avaliava aquela resposta e foi a vez dele de devolver a pergunta: – E você? O que você mais gosta?
Ela já podia imaginar aquela pergunta. Estavam conversando como iguais e nada mais natural do que o fato de ele querer ouvi-la, também, sobre a mesma questão, naturalmente.
Eu gosto desses pontinhos também... Na verdade, gosto de todos os pontinhos de luz do Natal, desses que as pessoas espalham pelas casas e pelas ruas, desses que brilham no rosto delas e que brilham delas mesmas... sei lá... todos esses pontinhos de luz me fazem ver estrelas em mim, mesmo quando fecho os olhos e mesmo quando tudo o mais é escuro... e então tudo parece tão... bom... – e sorriu o seu melhor sorriso para ele.
Ele sorriu de volta e a compreensão era perfeita.
Eles voltaram a atenção, então, os dois, para o passatempo preferido de ambos: aquele maravilhoso universo humano à sua frente e simplesmente... todas as coisas. Olhavam o mundo com os mesmos olhos, ainda que com histórias completamente diferentes.
A Garotinha de cinco anos e o Andarilho (cuja idade nós nunca conseguimos identificar bem ao certo, porque parece ter eternamente uns trinta e cinco e, ao mesmo tempo, a idade do universo) formavam um par bem curioso, sentados no tampo de uma mesa baixa, no meio de uma festa de Natal, completamente imersos e, ao mesmo tempo, alheios àquele mundo, envoltos, ainda, em um diálogo falado ou mudo extremamente interessante. Eram eternos admiradores dos fragmentos mundanos, natalinos ou... simplesmente..., para falar na linguagem deles, dos pedacinhos de coisas brilhantes interiores que a gente só vê nessa época do ano espalhadas por aí...


Salvador, 12 de dezembro de 2012.
Carolina Grant