domingo, 26 de maio de 2013

A Liberdade como nunca vista



Uma manhã cinzenta de domingo e Fim ou
O fim de uma jornada – Em cacos, gotas e estilhaços

Acordara de forma estranha naquela manhã cinzenta de domingo.
Algo parecia ilusório e onírico, embora o branco das manhãs de chumbo incomodasse-lhe os olhos e lhe trouxesse fragmentos indesejados de realidade.
Acordara oca. Algo faltava. Quebrara.
Levantou com aquela estranha (não deveria já ser confortável?) sensação de incompletude e foi ao levantar da cama que percebeu.
Esvaíra-se em cacos. Estilhaçara-se.

O sangue escuro brotava, porque ferira-se com os seus próprios cacos.
Acordara em pedaços, cacos de si espalhados por todos os cantos do quarto, ferindo-lhe os pés, as mãos, os sonhos e a esperança.
Olhou para o peito oco ao espelho. Impossível reconstruí-lo.
Olhou para os olhos opacos. Impossível lubrificá-los, sorri-los ou resgatar-lhes o brilho.
E a cada minuto mais um pedaço da ilusão que construíra de si, mais um pedaço de tudo o que era ruía e estilhaçava-se ao chão.

Era (ou poderia ser) uma Mulher aos pedaços. Um poço de sentimentos cristalizados e estilhaçados.
Um vazio de sonhos e sentimentos.
Uma opacidade imensa.
Um abismo próprio.
Uma caminhante em fim de jornada.

E, caminhante que era, caminhou por entre os cacos. Deixou-se ferir a cada lembrança.
Admirou os mais brilhantes, pedaços de sonhos reluzentes.
Não evitou os mais sombrios, cortantes e pontiagudos. Foram eles, também, que a constituíram e levaram-na a brilhar até a noite passada, quando atingira o auge de sua existência.
Todos aqueles pedaços tinham o seu valor. Um valor inestimável.

Foi, aos poucos, juntando um a um.
Cada um que caía era cuidadosamente coletado e colocado, gentilmente, numa caixa de veludo escuro.
Levou todos consigo para a banheira.
Sentou-se, confortavelmente, com a caixa no colo.
As feridas já não lhe incomodavam. Fizeram parte de toda a sua existência e não lhe impediram de sorrir e brilhar.
Ali haveria espaço para que se despedaçasse sem perder nenhuma parte do que fora.

E então o pedaço mais luzidio de todos, o mais belo, mais bem talhado, de material nobre e resistente, afiado como um punhal, belo como o último ocaso de uma vida plena, cedeu...
Ela o pegou, o olhou e admirou... ele ainda pulsava, mas ficava mais lento a cada instante.
Aquele caco pulsante valera-lhe a Vida.
E foi em lágrimas cristalizadas que, abraçada àquele melhor pedaço de si, ela se despediu... numa manhã cinzenta, mas inebriante em seu branco pálido manchado de púrpura.
Em cacos, gotas e estilhaços...

Seu nome era Liberdade.

26 de maio de 2013
Carolina Grant

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