Uma
manhã cinzenta de domingo e Fim ou
O
fim de uma jornada – Em cacos, gotas e estilhaços
Acordara
de forma estranha naquela manhã cinzenta de domingo.
Algo
parecia ilusório e onírico, embora o branco das manhãs de chumbo
incomodasse-lhe os olhos e lhe trouxesse fragmentos indesejados de
realidade.
Acordara
oca. Algo faltava.
Quebrara.
Levantou
com aquela estranha (não deveria já ser confortável?) sensação
de incompletude e foi ao levantar da cama que percebeu.
Esvaíra-se
em cacos.
Estilhaçara-se.
O
sangue escuro brotava, porque ferira-se com os seus próprios cacos.
Acordara
em pedaços, cacos de si espalhados por todos os cantos do quarto,
ferindo-lhe os pés, as mãos, os sonhos e a esperança.
Olhou
para o peito oco ao espelho. Impossível reconstruí-lo.
Olhou
para os olhos opacos. Impossível lubrificá-los, sorri-los ou
resgatar-lhes o brilho.
E
a cada minuto mais um pedaço da ilusão que construíra de si, mais
um pedaço de tudo o que era ruía e estilhaçava-se ao chão.
Era
(ou poderia ser) uma Mulher aos pedaços. Um poço de sentimentos
cristalizados e estilhaçados.
Um
vazio de sonhos e sentimentos.
Uma
opacidade imensa.
Um
abismo próprio.
Uma
caminhante em fim de jornada.
E,
caminhante que era, caminhou por entre os cacos. Deixou-se ferir a
cada lembrança.
Admirou
os mais brilhantes, pedaços de sonhos reluzentes.
Não
evitou os mais sombrios, cortantes e pontiagudos. Foram eles, também,
que a constituíram e levaram-na a brilhar até a noite passada,
quando atingira o auge de sua existência.
Todos
aqueles pedaços tinham o seu valor.
Um valor inestimável.
Foi,
aos poucos, juntando um a um.
Cada
um que caía era cuidadosamente coletado e colocado, gentilmente,
numa caixa de veludo escuro.
Levou
todos consigo para a banheira.
Sentou-se,
confortavelmente, com a caixa no colo.
As
feridas já não lhe incomodavam. Fizeram parte de toda a sua
existência e não lhe impediram de sorrir e brilhar.
Ali
haveria espaço para que se despedaçasse sem perder nenhuma parte do
que fora.
E
então o pedaço mais luzidio de todos, o mais belo, mais bem
talhado, de material nobre e resistente, afiado como um punhal, belo
como o último ocaso de uma vida plena, cedeu...
Ela
o pegou, o olhou e admirou... ele ainda pulsava, mas ficava mais
lento a cada instante.
Aquele
caco pulsante valera-lhe a Vida.
E
foi em lágrimas cristalizadas que, abraçada àquele melhor pedaço
de si, ela se despediu... numa manhã cinzenta, mas inebriante em seu
branco pálido manchado de púrpura.
Em
cacos, gotas e estilhaços...
Seu
nome era Liberdade.
26
de maio de 2013
Carolina
Grant