"Suponho que me entender não seja uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca" (Clarice Lispector). Isso poderia ser dito de mim... ou da própria arte, literatura... poesia!
Poema de 01 minuto - Homenagem ao Dia do Escritor.
Como se fosse a primeira vez...
Olhou, como se descobrisse Descobriu, como se soubesse Sabia, como se sentisse Sentia, como se imaginasse Imaginava, como se amasse Amava, como se morresse Morreu, como se (re)vivesse Viveu, como se eternizasse Eternizou... para sempre... Como se olhasse... pela primeira vez.
(Carolina Grant - 25 de julho de 2012 - 23h59min.)
Ele vinha de uma jornada de
incertezas, dúvidas e angústias, enquanto ela vinha repleta de
respostas aprisionantes... Se encontraram assim, meio que sem querer,
sem perceber e sem sentir... Se olharam, mas não se viram e
passaram... se cruzaram, mas não se tocaram... e a vida seguiu o seu
curso.
Ele queria as respostas dela...
Ela, as incertezas e a coragem dele. Havia uma paixão pela vida,
pelo conhecimento, pela sabedoria... mas havia, também, uma cegueira
tão profunda que os impedia de ver que seus caminhos eram
incompletos, mas não seria a mera troca de lugar que os preencheria.
Ele queria a vida organizada dela, e ela, a liberdade dele. Queriam a
infinitude, a completude, a plenitude... da existência, da
espiritualidade, da vida e do Amor. Queriam os mesmos quereres e
enxergavam ao longe... com muito mais exatidão do que enxergavam o
que estava bem à frente. Enxergavam (ou queriam enxergar) o Mundo, o
Universo e Tudo o mais, mas não enxergavam a si mesmos. Por vezes
estiveram tão próximos... mas sempre tão distantes.
Um carregava em si a porta para
outros Universos e o outro a chave, mas jamais cogitaram experimentar
esse encaixe promissor... repleto de possibilidades. Havia algo de
secular em seus olhares, suas vidas (passadas ou não) e seus
caminhos, e, como dois caminhantes, velhos conhecidos, buscantes,
errantes e perdidos, caçadores de um Sentido maior que tudo à sua
volta, a cada volta do tempo se encontravam, em outros lugares,
outras épocas e outras vidas.
Foi assim dessa vez. Venceram o
asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Venceram a imensidão que separa
as almas humanas acinzentadas, aprisionadas em concreto. Se
encontraram e se reconheceram de imediato... mas continuavam cegos...
há muito não encontravam um semelhante, um ser de mesma natureza,
mesm'alma, e tão habituados estavam às suas próprias buscas
solitárias que, mais uma vez, se viram, se cruzaram, se olharam,
reverenciaram-se e se voltaram para dentro de si, numa interminável
busca solipsista.
E então, sonharam.
Encontraram-se em um onírico
baile de máscaras, se perderam e se acharam por diversas vezes por
entre risos e vozes e música alta. Buscaram-se com os olhos. Ele de
negro, ela de branco. Ambos alados. A festa corria, parava,
borrava-se. Os rostos outros entravam e saíam de foco. Os corpos os
afastavam. As pessoas criavam labirintos humanos. Mas se buscavam e
atraíam-se. Para fora da festa, para fora dos limites
espaçotemporais.
Perderam-se por entre as sebes do
jardim, iluminados apenas pelos raios de uma lua cheia outonal.
Seguiam os ecos dos passos sobre as folhas secas, inebriados que
estavam pelo cheiro de uma terra recém lavada. Lírios e jasmins
aguçavam os sentidos. Ele a desejava com os instintos. Ela o
aguardava com a alma. Se viam, mas não se encontravam. Caminhavam e
já quase corriam, seus olhos os traíam, a natureza brincava com
seus destinos. E, no centro do labirinto de folhas e madeira
pulsantes, por caminhos opostos se encontraram... em lados opostos da
fonte central. O tempo parou. O vento cessou. A água cristalina
refletia, sem uma nuance sequer, a lua cheia acima e as expectativas
daqueles olhares. O mundo pulsava ao redor, em silêncio. Contornaram
a fonte, caminhando em sentidos opostos, mas havia um magnetismo
sustentando aquela troca de olhar de tal modo que caminhavam sem ver
mais nada além do Universo do Outro.
Uma canção distante os
envolveu, uma flauta, um violino, um bardo... uma melodia medieval.
Ecos de outras vidas. Pararam. Olharam-se. Sorveram cada segundo.
Caminharam, pela primeira vez em séculos, na mesma direção.
Encontraram-se. Olharam-se. Tocaram-se primeiro com os olhos.
Sentiram-se, primeiro, com o olfato. Absorveram-se primeiro com os
lábios. Inebriaram-se, primeiro, com os corpos. Deitaram-se e... em
uma eternidade... Amaram-se. Mergulharam-se e encontraram-se plenos
em outras dimensões. Chave e fechadura. Giraram. Encontraram-se e
viram-se completos. Juntos viram além e além. Compreenderam o
incompreensível. Reviveram suas outras vidas e percorreram,
simultaneamente, todos os caminhos. Perderam o fôlego com o êxtase
da descoberta. Explodiram juntos, em tamanha plenitude e felicidade.
Juntaram-se à terra, à água, em fogo, ao ar.
Olharam-se. E... de repente... a
tristeza turvou-lhes o brilho do olhar. Um rasgo de compreensão
dissipou o véu da ilusão. Precisariam despedir-se. Voltariam a se
desencontrar, porque um êxtase como aquele não deve perdurar mais
que a eternidade de um momento imaculado. Andarilhos que são,
precisam ainda percorrer outros caminhos. Aprendizes que são,
precisam ainda conhecer outros destinos, buscar outros conhecimentos,
para que, fontes, jorrem sobre o Mundo. Para que, fontes, não se
deixem secar.
E o sonho borrou-se junto com a
chuva e a paisagem. E quando voltaram a se procurar já estavam
distantes, perdidos na névoa densa do alvorecer. E quando acordaram
do sonho, já estavam em outra vida, outros corpos sem memória...
Porque eram caminhantes e o sentido de suas vidas era perder-se para
se encontrar. Afinal... a cada novo encontro, novas possibilidades...
E a pergunta sempre seria... saberão encontrar-se? Ou perder-se-ão
sem gozo, sem êxtase, sem plenitude? Caminhantes que eram,
precisariam buscar... a cada tempo, cada vida, cada corpo e
Universo... uma nova resposta. Mais que Amantes, mais que amigos,
aprendizes, errantes, buscantes e perdidos... eram Caminhantes...
eternos Andarilhos.